terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Sonhos de Natal

Lembrei-me de quando éramos crianças e a noite de Natal era a mais alegre do ano. Íamos dormir embaladas pelas canções natalinas do vinil que o papai colocava. Ele dizia pra gente não se preocupar, pois o Papai Noel desligaria o som.
Melhor que a doçura da música, o aconchego do nosso pai e até a expectativa dos brinquedos, era a certeza de que nosso sonho se realizaria naquela noite. Porque, não havia dúvida, o Papai Noel passaria. E este era o melhor presente: acreditar.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Dilemas cotidianos

Estava difícil enfrentar a depiladora. Não pela tortura da cera, mas por tudo que a mulher representava.
Há alguns anos, uma dica milagrosa da depiladora mudou completamente a vida dela. Algumas palavras sem pretensão foram a chave para a felicidade. Literalmente. Ela estava cansada de procurar uma casa definitiva para morar, quando a depiladora disse entre um puxão e outro: liga pra fulana que é minha cliente. A fulana indicou beltrana, que vendeu o melhor apartamento da cidade pra ela. Finalmente, havia encontrado um ninho onde pudesse repousar; onde pudesse aquecer cada detalhe com ternura, esperando que ali brotassem frutos.
E assim foi. Todo mês, ela ouvia da depiladora: e o ap? Tá lindo, sempre dizia.
Agora, ela não tinha coragem de enfrentar a pergunta fatal da depiladora. A resposta doeria mais que qualquer cera que arrancasse de uma só vez todos os pêlos do corpo; mais que se abrissem de uma só vez todos os poros. Como falar que o ap não existia mais? Como explicar que o ninho meio que despencou de uma árvore e espatifou no chão? Não, a resposta doeria muito. E ela não estava preparada para aquela sabatina.
Passou o primeiro mês, o segundo, e sempre uma desculpa para fugir da sessão. E mesmo que não houvesse espaço para a depiladora fazer a maldita pergunta, ela não parava de retumbar no dia-a-dia: e o ap? E o ap? E o ap?
O ap continuava lá. Sem ela. E a depiladora também continuava lá. Sem a cliente. Ela já tinha perdido demais para ter que enfrentar aquele encontro doloroso. Mesmo sem saber o rumo, ela procurou outro salão. E, como numa despedida à francesa, mudou de depiladora sem dizer adeus.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

30, 20 ou 40?

Engraçado como depois de 30 anos a gente já começa a se achar velha. Bom, pelo menos para a turma de 20, já somos anciãs. Depois de dez anos de mercado, então, já com alguns calos e muitas feridas, é preciso tomar cuidado com as palavras e os conselhos para os colegas que estão começando. Não vale a pena contaminar a turma jovem com a realidade dura de quem já engrossou o couro. Melhor deixar os novos talentos acreditarem que a profissão é um mar de rosas. E que eles nadarão neste oceano límpido. Pra que dizer que tucanaram a exploração de mão-de-obra e que agora ela se chama desafio? Bobagem.
Melhor esquecer as perdas e pensar que ainda estamos na idade de ganhar. Seria bom esquecer também que as rugas aumentam a cada dia, os cabelos brancos se multiplicam na velocidade da luz e, pior de tudo, os casamentos não duram até que a morte os separe. A vida mesmo se encarrega disso.
Há poucos dias, me disseram que os 30 anos correspondem à adolescência da maturidade. Queremos ir a um lugar que não sabemos onde, com urgência; queremos todo o sucesso do mundo, mas já estamos com alguma preguiça para correr atrás de tanta informação. Melhor investir numa nova especialização, viajar para a África, casar de novo, fazer uma produção independente, uma depilação a laser ou simplesmente não fazer nada? São tantas possibilidades e parece fácil acessá-las como uma busca no Google. Quem sabe aos 40 acabe essa ânsia? Bom, vou fazer como as minhas amigas de 20: fechar os olhos, pensar que estou flutuando rumo ao céu e aguardar a próxima onda quente e suave.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Inquietude

E foi assim outra vez
Que aquela dor voltou no meio da noite
Dilacerando os retratos da memória
E gritando em meus sentidos
Que dos sonhos não vividos
Restou apenas a mortalha

Outra vez bate forte
Aquela vontade de ir desesperadamente
Te deixar e ao mesmo tempo te buscar
Bem longe de tudo, longe de mim

Que inveja da arrumadeira
Que me disse humildemente
Moça, tenho que saber o meu lugar
Que lugar é esse que ela sabe onde
Quem sabe lá posso aquietar
O lago agitado da minha alma

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Fora de prumo (arquivo de viagem a Itacaré/BA)

De repente a vida saiu do prumo
Então fiquei sem rumo
Mas onde mesmo está escrito
Que o imprevisível não pode ser bonito?

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Página em branco

Escrevia a minha história
Pensando ser só uma, quem diria
São muitas e cada um escreve a sua
Na mesma página em branco

Busco cores, sons e palavras novas
No fundo, todos temos a mesma essência
Para preencher a página em branco
Emoldurada pelo horizonte infinito

Enquanto escrevo a minha história
Você escreve a sua, amor
Sem certo, nem errado
Só tentando fazer o melhor

E sem jogar fora a chance
De tornar bonita, eterna
E azul como o Mar Vermelho
A página branca da vida

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Um dia

Um dia a gente aprende que a melhor risada é aquela menos previsível, por nada ou muito pouco. E que a melhor viagem pode ser feita com a cabeça no travesseiro e o canto das cigarras. Um dia a gente aprende que não é preciso ir tão longe, nem ganhar muito dinheiro, nem ser a melhor. Um dia a gente aprende que a vida que procuramos está dentro de nós e que o coração bate fazendo barulho para nos lembrar disso. A todo instante. Um dia a gente aprende que a melhor idade é a que temos. E que as pessoas mais incríveis ficam a poucos quarteirões ou moram na mesma casa. Um dia. Basta um dia pra gente ser feliz.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O homem que não tinha saudade

As filhas queriam ser como pai, que não tinha saudade de nada. Passado é passado. Também não sonhava com o futuro. Como ele mesmo gostava de dizer, o presente é o melhor presente.
As filhas entendiam. E sorriam. Mas não conseguiam libertar as emoções trancafiadas no coração, já vividas e quase mortas. Também não conseguiam não pensar no futuro. Melhor acalentar um sonho qualquer e vencer o dia com uma esperança.
As filhas sentiam saudade de tudo. Até do que ainda não tinham vivido. Mas se lembravam, todos os dias, dos olhos tranqüilos do pai. Dos cabelos brancos de sabedoria. E de como ele tinha razão. Na sua simplicidade conservadora, o pai sabia o que dizia. O que passou passou. E nem sabemos se o amanhã virá.
Carpe diem. Era só isso o que ele ensinava.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Um segundo

Um segundo e tudo muda
Um segundo e acabou o ar
Acabou a vida
Um segundo e a felicidade
se vai perdida
para sempre
Um segundo e perdemos tudo
O que era certo
O que era vida

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

No escuro


O corpo dança a música da contemporaneidade: violência, individualismo, sexo, estranhamento.
Homens e mulheres se encontram para digladiar numa arena de ódio. E colocam todas as suas frustrações no embate.
Corpo a corpo.
Essa é a dura realidade. Não há tempo para chorumelas e cantilenas. Não há espaço nem paciência para dramas.
Mesmo assim, no escuro, a vida tem poesia.
(Foto do Grupo Corpo, que reapresenta seu espetáculo Breu).

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Os olhos verdes do meu pai

Meu olhar repousou no seu
Aconchegou-se
Nos seus braços deixei minha dor
Como se fosse sua
De mãos dadas comigo
Você caminhou
E me ensinou a dar novos passos
Como se fosse criança
No seu sorriso encontrei o meu
Que nunca se apagou
Finalmente, amigo
Vamos que a música já começou
Sim, a vida é boa
E nos abre a porta cantando

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Interioranas

As primas engordaram. Mas tinham casa, marido e filhos.
Nada era lá grandes coisas, mas coisas grandes o bastante para lhes preencher a vida.
A casa não precisava ser tão boa, afinal; bastava ser própria.
Nem o marido precisava ser o melhor; são todos iguais, já dizia a tia solteirona, só muda o endereço. E, além do mais, galã só existe na novela das oito. Melhor se conformar com a careca, o ronco desgraçado e a barriga de cerveja.
Já os filhos, ah, esses eram os mais espertos e bonitos do mundo. Pois eram seus.
E assim a vida corria. A segunda não tinha cara de segunda. Quem sabe parecida com um domingo à tarde? Mas, então, qual a graça de esperar pelo domingo à tarde?
As contas eram pagas da mesma forma; dava-se um jeito, Deus ajuda.
As viagens eram boas; no máximo, para levar as crianças ao zoológico na capital. Ou uma praia nas férias, se desse, no Espírito Santo. Pra que ir mais longe? Bobagem.
E os sonhos? Ah, pare com isso. Sonho é pra quem não tem o que fazer. Melhor se preocupar com as roupas pra passar.
Ops, a campainha tocou. Era a vizinha (que também engordou um pouco).

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Mudança ou arranjo

O que era quarto virou sala
O que era sala, cozinha
O que era cozinha, banheiro
O que era bonito
Agora é feio.
Importa é que tudo se arranja
E a gente vira outra pessoa
A cada mudança.
Importa é que ainda há outra chance
E que se a gente muda
É porque acredita.

Um tango (arquivo de viagem a Buenos Aires)


Olhos se encontram
A dança começou
Vamos juntos, mãos dadas
A vida nos convida para um tango
E agora somos música

Passos rápidos
Sincronizados, certeiros
Temos pressa em ser feliz
A vida não nos dará
De novo outro tango

Vamos juntos
Melancolia, paixão
E o medo de errar os passos
Mas nada pode ser mais bonito
Que nós dois pelo salão

Nós duas

Você é água
Eu, vinho.
Você é dia
Eu, lua.
Você é minha
Eu, sua.
Cadê aquela doçura?
Pra que ser tão dura?
Querida, preste atenção
A vida é só uma.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Verdade

Passou o vendaval.
E só sobrou a gente. Sem casa, sem roupa, sem amigos.
Até o cachorro se foi.
Restou apenas a verdade de nós mesmos.
O que temos de bom. De pior.
E a saudade. Do sonho que acabou.
Não queria acordar.
Onde estão todos agora? A cerveja? A música? O riso?
Cada um juntou sua trouxa e foi embora.
Fugiram do vendaval.
Só restou a gente. E a verdade nua de cada um de nós.
Onde está você?
E com que verdade anda agora?
Procuro, mas a minha foge em cada esquina. Parece louca.
Sei que vamos encontrá-la. A minha. A sua.
E recuperar tudo que se perdeu.
Depois do vendaval.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Parte de mim

Não sabia se devia ir. Ou ficar. Fui e voltei.
Não fui inteira. Deixei parte com você.
Mas a outra metade não voltou. Se perdeu. Quase morreu.
Voltei em parte, lado avesso.
E o coração que não veio junto vagou por aí. Suspirou.
Agora as duas partes estão perdidas.
Em algum lugar podem se encontrar. E ser só uma.
Resta saber onde. E o que foi feito do amor. Que quase morreu.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

E se

E se a raiva não fosse gesto?
E se, naquele minuto, tivesse afeto?
Teria sido diferente?
E se não houvesse dor, nem medo, nem a certeza da morte?
E se a noite não assombrasse?
E se não houvesse mais segunda, quem sabe duas terças?
Não teria carnaval?
E se não tivesse se?

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Será?

A felicidade é uma busca individual.
Mas dizem que só é plena se for compartilhada.
Será? Tudo indica que sim.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

E rezo

De uma amiga querida, jornalista e também F:

A felicidade é a única coisa que podemos dar sem possuir.
Você não pode dar um presente sem o ter; não conseguirá andar sem as pernas e os pés; não abraçará sem os braços.
Mas, embora lhe falte a felicidade que sonha, pode reparti-la ao seu próximo de várias maneiras: com uma visita, um sorriso, uma palavra amiga a quem encontra no caminho.
Quem sabe? Talvez Deus espere que você dê para depois receber. Pois é dando que se recebe.

Procuro dar um pouquinho. Sem pedir, vou caminhando. E rezo.

Sonho azul (arquivo de viagem a Cuba)


Sol quente. Mar verde-água. Luz branca. Povo negro. Povo misturado. Você. E eu.
Viagem bonita, sonho fértil. De final triste. Fomos e voltamos. Cada um para seu lugar. Encontramos a felicidade e agora a deixamos lá. Quietinha. Dormindo. Esperando ser despertada por outro alguém. Meu e seu.
Ainda sinto o calor. O riso. O deboche de tudo que é supérfluo. O amor ao ideal. O sonho da revolução. Sinto falta do seu melhor.
Ainda ouço o jazz. Nas ruas, no hotel chique. A dor, a doçura traduzida em arte. Emoção. Pobreza por fora, jardim florido por dentro. Beleza sem fim.
E esperança de renascer depois do pôr-do-sol.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Eterno

Cada dia, uma busca. A cada encontro, uma expectativa. No fim, a felicidade por ter chegado lá. Ou não. Às vezes, o mais importante é mesmo a travessia.