terça-feira, 29 de março de 2011

As asas e o mar (2)


Ela sentia vontade de sair batendo asas por aí. Fingir que era solteira, sem marido, sem filho, sem compromisso com o trabalho. Beber todas as cervejas e rir até cair no chão, de tanta graça que tem a vida. Ela sentia saudade de sua liberdade. E o coração doía. Ficava pensando quando novamente seria possível sair sem destino e data pra voltar, sem pensar em nada, sem explicar qualquer coisa. E assim ela fecha os olhos e dorme embalada pelo sonho de um mar azul, com um sorriso pegando ondas.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Lembranças

E não foi à toa que ela lembrou-se das amigas que perderam o marido. Da amiga que fez um aborto e agora não podia ter filhos. Da amiga que não gosta de homens, talvez porque nunca os conheceu. Lembrou-se da ex-chefe que luta para ser mãe nas clínicas de inseminação. Lembrou-se do passado recente, das mesas de bar, do sono pesado e sem compromisso. Ela sabe que nunca mais dormirá como antes. Que mesmo fechando os olhos por oito horas seguidas, no fundo do seu pensamento e na parte maior do seu coração haverá um pequeno de olhos atentos clamando sua atenção. Mesmo com todo desassossego, ela agradece pela casa bagunçada, pelo marido que está longe, mas voltará, pelo amor que conheceu, pelo filho que gerou. Ela sabe que é privilegiada. E é feliz por isso.

sábado, 27 de novembro de 2010

Meu lado B

Às vezes posso ser pior que uma navalha. Perco a piedade. Sou nua e crua. E saiam da frente. Coitados dos meus ex-namorados... Eu era tão boazinha, até me transformar numa fera incontrolável. Infelizmente, as pessoas consideradas calmas são assim... Vão levando tudo na boa, até que o copo entorna. Com toda força, pior que um tsunami. Desculpa aí, como dizem. No fundo, sou mesmo um furacão. E saio de casa com o cachorro na cabeça, se precisar. Literalmente. Espero que meu filho me compreenda. E, do fundo do coração, me perdoe. A vida não é mole, não, meu pequeno.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Porque a vida é feita de ciclos

Aprendi com os maias algo que parece (e é) óbvio, mas nem sempre perceptível: a vida é feita de ciclos. Seja um dia, 28 dias para nós mulheres e lua, até voltas muito maiores por esse universo gigante. Às vezes tudo está sob nossos olhos, nos confirmando alguma certeza irrefutável, mas por alguma razão insistimos em não ver. Escutei hoje de meu pai um conselho simples (e talvez por isso tão sábio) que irá mudar a minha vida nos próximos anos - ou pelo menos me fazer acordar para um novo ciclo. Você não foi ainda? Era só isso o que eu precisava ouvir.

domingo, 29 de agosto de 2010

Angústia da separação

Aos oito meses de vida, todos nós, seres humanos, na sua forma mais fofa e pequena, já iniciamos um processo de angústia que irá se estender, normalmente, pela vida toda, até o último dos nossos dias. Chama-se angústia da separação, um fenômeno que acomete os bebês ao perceberem que seus corpinhos, quem diria, não fazem parte dos corpinhos das mamães. São pessoas diferentes, ora vejam. O fato é que ela não percebeu nenhum comportamento diferente no filho - estava esperando por dengos, choros sem propósito com o simples intuito de fazer charme ou mesmo algo difícil e dramático no dia a dia. Nada. Ele continuava o mesmo. Foi aí que ela se deu conta da independência do menino. Ele já não mamava mais seu leitinho, ficava à vontade na escola - até impondo resistência, certos dias, para voltar para casa -, ia com qualquer pessoa, comia bem, muito obrigado, sem sua mãe por perto. Então, ela resolveu marcar uma viagem. Ligou incansavelmente para a companhia aérea, todos os dias, para conseguir a bendita passagem na data que queria. Até que, como um milagre, conseguiu. Aquela felicidade durou apenas um instante até se voltar ao rostinho da cria. Sorrindo, como sempre. Como ela ficaria longe daquela criatura? Como iria suportar não vê-la? Como não iriam dormir sob o mesmo teto por dez longos dias? E se ele tivesse fome? E se ficasse doente? E se sentisse a falta dela, achando que nunca mais se veriam? E se chorasse sem encontrar consolo? E se???... Ela desesperou-se. Deu-se conta de que jamais viveria sem aquele corpinho pequeno e gordo. Ele, sim, era parte indissolúvel dela. E nada que se dissesse ao contrário faria sentido. Ela, então, chorou naquele dia. E percebeu que era ela quem sofria da angústia da separação.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Um colo

Ela tinha inveja das amigas que se davam bem com suas mães. Simplesmente porque não encontrava naquele colo provável a calma que precisava. Ela não se lembra de ter deitado no colo da mãe. De ter chorado e sentido ali conforto. Ao contrário, a convivência era tensa. Não entendia por que sempre foi assim. E isso não mudaria. Ela tinha muita inveja das amigas que contavam da amizade com suas mães, como se isso fosse natural. Para ela, era uma batalha perdida. Agora que ela é mãe, entende um pouco das angústias da outra e é capaz de perdoá-la. Mas sabe o que não deve fazer. Então, quando a mãe diz pra deixar o filho chorando, que ele aprende, ela não aceita. Está lá com seu colo pronto, precisando o filho ou talvez nem tanto. Ela é como um general em vigília. A primeira regra que aprendeu é que não existe regra. Ela não vai deixar seu filho chorar para que ele aprenda sozinho. Nunca. Ela está ali para ensinar. Ou apenas para oferecer seu abrigo quente.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

O amor (de novo)


Eu hoje acordei com vontade de casar. Vestir-me de branco, pintar o rosto suavemente, deixar o vento atrapalhar o penteado sob um pôr-do-sol romântico, enquanto nossos amigos ouvem as juras de amor eterno. Tudo de novo, como se fosse a primeira vez. Os olhos brilhariam da mesma forma ou talvez um pouco mais, porque agora nosso filho levaria as alianças. Sim, vale a pena fazermos economias para comprar os vinhos, adornar nossa festa com flores e celebrar o amor. Porque isso nunca será antiquado. Nunca será demais. Quantas vezes for preciso, vamos valorizar os momentos felizes. Porque a vida é feita deles. E só eles valem a pena, mesmo que durem pequenos instantes.